Pilsner Fumada

Lembram-se daquela cerveja com limões fumados? Começou neste dia.
Lembram-se como não temos amor ao nosso tempo livre?
Se restavam dúvidas, fizemos uma pilsner com tripla decocção.

Dia longo no quintal para fazer a primeira lager do nosso Hotel, acompanhada de tripla decocção e tripla pinta – daquela refrescante Patersbier. Uma por cada patamar de temperatura. Agora faz sentido um de nós ter trocado o bicarbonato de sódio por giz?

Já voltaremos ao – tão longo – dia de brassagem. Primeiro, porém, percebamos porquê uma Pilsner com malte fumado. Viajamos até Amesterdão, uma cidade com muito para oferecer. E, como qualquer capital, existem nela pérolas que não se pesquisam, pérolas em que se tropeça a caminho de outra coisa qualquer.

A epopeia começa em 2017, durante o Carnivale Brettanomyces, um tímido espaço, o Proeflokaal ‘t Kelkje, do lado oposto ao posto central das conferências, a igreja Valónia – Waalse Kerk. No habitual frenesim da cidade, um bar sossegado, com uma selecção única, contrastante com a aborrecida oferta encontrada nos milhares de espaços pela cidade.
A estrela, aqui, são as Genebras, um destilado tradicional da Holanda, que, mais tarde, deu origem ao Gin. No meio de uma escolha sem fim de Genebras, licores locais, aguardentes importadas, existem uma obsessão com as cervejas de Bamberg, em especial a famosa Schlenkerla.

Voltando ao Carnivale Brettanomyces, entre conferências, a Schlenkerla, substituía os cigarros com as suas cervejas fumadas. Nas várias visitas, a este bar, em anos diferentes, fomos provando as diferentes cervejas, apreciando as subtilezas em cada uma, bebendo também do conhecimento com o dono tem para partilhar.
Contava histórias das suas visitas a Bamberg e como cada cerveja era única.
Uma das histórias ficou na memória.

Todas as cervejas desta cervejeira, com mais de 600 anos, contam com malte fumado, com uma excepção, a Helles. Consoante produção, esta tem uma presença de notas fumadas variável. Reza a lenda que esta cerveja foi criada para “limpar” a sala de brassagem e os equipamentos de produção, retirando, assim, o excesso de notas fumadas.

Com um equilíbrio fino entre o malte pilsner, as notas fumadas e amargor algo assertivo, esta Helles apresenta delicadeza e subtiliza, sendo original, marcante e repetível. Será que conseguimos brilhar, homenagear e honrar tradições centenárias? Pouco provável.

Argumentos contra nós, damos o corpo `às panelas, cereal moído, 50% malte Pilsner e 50% malte fumado com faia (beechwood smoked malt), está na hora de atacar a tripla decocção.

It’s a two person job

O conceito, a nível de produção é simples, embora demorado. Misturar o cereal, historicamente maltes pouco modificados, com água para uma temperatura de 35ºC, deixar descansar 15 minutos, retirar 1/3 dos mosto, partes sólidas incluídas, ferver separadamente e adicionar de volta ao cereal para dar seguimento ao patamar seguinte. Repetir isto três vezes e segue para fervura.

Arrancamos como dita a tradição, com o primeiro patamar, a 35ºC, que promove o acid rest. Entre os 30ºC e os 50ºC a enzima de fitasa promove a hidrólise de um fosfato presente no cereal pilsner que se quebra em diferentes minerais, baixando o pH. Hoje em dia, com os recursos tecnológicos disponíveis, é argumentável a utilidade deste patamar. Não queríamos chatear nenhum alemão barbudo, porque já sabemos, o futebol são 11 contra 11 e no final ganha a Alemanha.

Os patamares seguintes fixaram-se em 52ºC, 66ºC e 75ºC. No final de cada etapa 1/3 de mosto foi passado para outra cuba, onde foi fervida durante 15 minutos. O mosto, fervido, devolvido à panela original e, sem grandes variações, o passo seguinte era atingido. Agora, perguntam vocês, que sabor esperam atingir com este trabalho todo? Reza a lenda que o corpo da cerveja e a presença de malte ganham uma profundidade que de outra forma seria inalcançável. Ideia que não é consensual na indústria. Fiquem com um artigo interessante no Brülosophy.

A partir da brassagem nada a relatar, fervura de 90 minutos, 20 IBU’s de Savinjski Goldings, tudo normal. No arrefecimento começam os desafios, conseguimos uns simpáticos 18ºC com água da rede, o resto do arrefecimento aconteceu no frigorífico, ahem, sala de fermentação até aos 12ºC. A levedura da Fermentis W34/70 é já um clássico em cerveja de baixa fermentação, com notas florais e frutadas, mas como queríamos uma fermentação mais neutra, para dar espaço ao cereal para brilhar, seguimos com a SafLager S-189.

Bónus para quem leu até aqui: o normal seria inocular logo que o mosto fosse transferido para a cuba e deixar a arrefecer na câmara, na temperatura desejada. Esse sempre foi o método, por exemplo, arrefecer o mosto a 24ºC, inocular e configurar a temperatura para o desejado de fermentação. Erro, arrefeçam totalmente primeiro. High-five aos, super informativos, webinars da Escarpment Labs.

4 semanas a 12ºC, mais cerca de mês e meio de laggering a 2ºC e estará pronta para aterrar numa Lindr e acompanhar mais um churrasco.

Escrito parece mais curto que no quintal, ainda deu para dar corda ao grelhador e garantir uma tarde, e noite, bem passada a fumar uns limões e uma carne, nem só de cerveja vive o homem. Diz que no final ainda marcharam uns kanelbullar com um pairing de alto nível.


Smoked Pilsner


Lote: 20L
Total Cereal 5kg
Densidade inicial: 1.048
IBU estimado: 21
Tempo Fervura: 90 minutos

Cereal

50% – 2.5 kg. Weyermann Pilsner
50% – 2.5 kg. Weyermann Beech Smoked Barley Malt

Hops

70 gr. Savinjski Goldings (pellet, ~2.7% AA) @ 60 min.

Levedura

SafLager S-189

Água

Ca: 68
Mg: 11
Na: 28
Cl: 87
SO4: 66
Cl to SO4 Ratio: 1.33

Brassagem

Tripla decocção:
Acid Rest – 15 min @ 35ºC
Protein Rest – 30 min @ 52ºC
Sacarificação – 45 min @ 66ºC
Mash Out – 10 min @ 76ºC

pH@45 min 5.42@19.2ºC

Observações

10/04/2020
Mosto produzido, inoculado, começa a festa, desculpem, não há festa. A fermentação em baixa temperatura é bastante aborrecida.

08/05/2020
Prova, sem aroma a diacetil ou sulfúrico, mesmo sem deixar a temperatura aumentar para o diacetyl rest, comummente recomendada. A verdade é que com o tempo necessário a levedura acabar por o reabsorver, metabolizando-o em butano-2,3-diol.
Começa o lagering, ou seja, a maturação a uma temperatura ainda mais baixo, ~2ºC.

4 thoughts on “Pilsner Fumada

  1. A Braumeister não tem um prato de inox perfurado no cimo do tambor? Tiveram que desmontar isso de cada vez que reintroduziram a parte que ferveram separadamente, certo?

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