Kveik & Brett Stout Americana Tropical com Trigo Sarraceno Aveia e Café

Digam lá o nome desta cerveja 5 vezes seguidas e rapidamente. Difícil, não é? Esta cerveja marca a estreia do hotel nas cervejas fermentadas com Kveik. Marca também os primeiros hóspedes, amigos da casa, que se juntaram para o serão. Como quem diz, vieram limpar o cesto do malte.

O mundo da cerveja mudou muito nos últimos, vimos as mais variadas tendências a aparecer, desaparecer, a surpreender, a aborrecer. De tudo um pouco. Vinham IPAs o mais amargo possível, depois foram as IPAs escuras ou castanhas. Ainda chegou a febre dos “pacotes de água” lupulada em forma de Session IPAs.
Cervejas envelhecidas em barrica, ácidas ou não. De cervejas de todo o mundo passámos para o hiper-local, hiper-fresco, tornando algumas cervejas quase impossíveis de comprar.
Tudo isto se resume a uma constante luta pela próxima moda.


E enquanto meio mundo vivia o sonho americano havia uma homem numa missão impagável, Lars Marius Garshol. Com o recente Historical Brewing Techniques: The Lost Art of Farmhouse Brewing, Lars explora o mundo da cervejeiras inseridas no meio rural, no Norte e Leste da Europa, distante das tecnologias do século XXI, desafiando os pressupostos do cervejeiro moderno.

Tradição à beira da extinção, salva por um herói inesperado, sem capa. Resumir todo o trabalho do autor numa palavra é bastante ingrato, mas aqui vai: Kveik.
Kveik significa levedura num dialecto norueguês, outros nomes em diferentes regiões eram utilizados, como barm, gong ou gjær.
Leveduras com uma larga variedade genética, apresentam características que não poderão ser encontradas em outras leveduras cervejeiras. Leveduras que levam o legado de famílias às costas, preservando gerações e gerações de produções nas zonas rurais da Noruega. Ao contrário de outras escolas cervejeiras, estas culturas nunca foram purificadas a uma única estirpe. O mundo das Kveik ainda tem muito por explorar mas estamos perante uma levedura sem igual, como comprovado pela sequenciação do genoma nos testes do Richard Preiss.

A nível de comportamento as Kveik são leveduras produtoras de ésteres (aromas frutados) e sem produção de fenólicos (especiarias) e baixos índices de produção de off-flavors, como diacetil, acetaldeído ou álcool fúsel.
Conduzem fermentações a temperaturas bastante elevadas, entre os 30ºC e os 40ºC, com bastante tolerância para níveis de álcool elevados (13%-16%).
A fermentação alcoólica termina bastante rápido (~48 horas) com níveis de atenuação e floculação bastante positivos.
Se a quinoa é um super alimento, as Kveik são as super leveduras.

Voltando ao quintal, depois de dois parágrafos mal amanhados, para explicar um trabalho de vários anos em meia dúzia de linhas, está na hora de encher o cesto com cereal. Como não somos de seguir regras, se o cesto está preparado para levar 7kg de cereal, nós achámos por bem esticar os limites.

Agora ficaria realmente bonito um parágrafo que explicasse em detalhe o porquê desta cerveja, com todos estes elementos, mas não há explicação que vos pudesse convencer. Vamos dizer que perdemos uma aposta. Mas sigam-nos, isto até faz sentido.

American – amargor acentuado, adição de columbus e cascade no whirpool a 80ºC
Tropical – aroma resinosos e frutas dos lúpulo, notas de laranja da kveik e café de Zanzibar
Buckwheat – trigo sarraceno incorporado na receita, contribui ácido caprílico que a Brettanomyces consegue metabolizar em ethyl octanoate: ananás, cognac, umami.
Oatmeal – aveia, bastante aveia, untuosidade e dextrinas para a Brettanomyces.
Kveik – Levedura da fermentação alcoólica, Voss Kveik. Aroma a laranja.
Brettanoymes – Clausenii, aroma fenólico, ananás e terroso. Pode vir a conferir alguma acidez a médio prazo.
Coffee – Café solúvel de Zanzibar. Acidez, notas frutadas e chocolate.
Stout – Cevada torrada – manda a lei.

Consequência de sobre-lotar a capacidade estipulada do equipamento? Eficiência terrível, resultado pior do que aquele colega estranho nas aulas de educação física, podem não admitir mas sabem quem é esse colega.
Ou seja, dos 15º plato previstos extraímos uns meros 12.5º plato. Os heróis da noite. O cereal após brassagem e lavagem ainda tinha bastante açúcar, o topo com consistência pegajosa, agora fica no segredo de Ninkasi quais cereais tiveram maior ou menor extração.
E lá está, mosto com uma extracção baixa nem parece muito mau, já todos passámos por isso, problema era já termos um perfil de água desenhado em função do extracto planeado, bem vamos ver como corre.

Café solúvel do Zanzibar? Não, não é o regresso dos Gato Fedorento. Sabem aquelas prendas ou lembranças que os vossos amigos vos trazem das férias e não fazem ideia do que fazer com aquilo? Pronto, em vez de embrulhar e oferecer a alguém foi parar na cerveja. E não, não era nenhuma variedade espectacular de café, é solúvel. Café solúvel e café de qualidade é um oxímoro – o Paulo explica, perguntem-lhe.

Foi um dia divertido no quintal, pouco cansativo, tivemos visitas. Como anfitriões, condecorados por honoris causa e entremeadas, fizemos tudo certo. Cocktail de recepção (com cerveja, um dia falamos sobre isso), cervejas variadas à descrição, participação activa no planeamento de novas cervejas, aromatização pré-engarrafamento, lanche com produtos da melhor qualidade. Um luxo.
Tudo em troca de conduzirem o engarrafamento, e posterior rotulagem, paralelo à produção. Yup, engarrafar é assim tão chato. Vocês sabem do que estamos a falar.

E por favor não digam: “ah, isso é karma” – não.

Mas parece, tudo bateu um pouco ao lado. Ainda bem que a este ponto a cerveja já ferve e daqui a menos de nada estamos despachados – em duplo sentido.
Tudo normal até medir o pH pós fervura, estava abaixo do esperado, as leveduras Kveik têm uma capacidade extraordinária para acidificar, durante a fermentação alcoólica, quando comparadas com as já conhecidas Saccharomyces. Atenção, as cervejas com Kveik não ficam ácidas, talvez um pouco mais ásperas que as suas congéneres.
Problemas fáceis, soluções fáceis. Vai buscar bicarbonato de sódio – não há – foda-se. Bem, há frasquinho de fermento da Royal, é quase igual.
Demasiadas medições e colheres lá se chegou ao pH pretendido. Vitória!

Daqui até ao fim do dia falta pouco, arrefecimento até aos 40ºC, se querem cortar com gastos de água, desnecessários, no mundo o Kveik é a vossa solução. Ainda vamos ver o André Silva do PAN na Assembleia com um Kveik Ring todo cheio de estilo.

Cerveja inoculada, actividade passado duas horas – sim, 2 horas, não é gralha – bem-vindos ao mundo encantado do Kveik, onde há Vikings, Princesas, Dragões e leveduras sempre esfomeadas. Felizmente estas leveduras, que pareciam condenadas como a Uma Thurman no Kill Bill, foram, algumas pelo menos, salvas a tempo. Obrigado Sr. Garshol.

Depois contamos como ficou.


Kveik & Brett Stout Americana Tropical com Trigo Sarraceno Aveia e Café


Lote: 18L
Total Cereal: 7,80 Kg.
Densidade inicial: 1.048
IBU estimado: 47
Tempo Fervura: 90 minutos

Cereal

49.4% – 3,85 Kg. Pale Malt
5.8% – 0,46 Kg. Oats Golden Naked
12.4% – 0,97 Kg. Oats Flaked
8.8% – 0,68 Kg. Oats Malted
15.4 – 1,20 Kg. Buckwheat
2.9% – 0,23 Kg. Crystal Dark
1.8% – 0,14 Kg. Black Malt
2.3% – 0,18 Kg. Roasted Barley
1,2% – 0,09 Kg. Carafa I

Lúpulo

28,66 gr. Columbus (pellet, 14% AA) @ 60 min.
19,11 gr. Columbus (pellet, 14% AA) @ 5 min.
38,21 gr. Cascade (pellet, 6,3% AA) @ 5min.

Levedura

Lallemand Voss Kveik
White Labs WLP645 Brettanomyces Claussenii

Água

Ca: 142
Mg: 30
Na: 111
Cl: 146
SO4: 250
Cl to SO4 Ratio: 0.58

Brassagem

Sacarificação a 69ºC por 60min.

pH@30 min 5.80
pH@60 min 5.32

Observações

27/06/2020 – Adicionado o Brett

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