Red Ale com Kombucha de Cereja

Neste Hotel o culto à volta da fermentação é mais forte do que nós. Hoje inauguramos uma nova ala do nosso Hotel, dedicada a outro líquido fermentado que tanto gostamos. A Kombucha é basicamente um fermentado de chá. Se na cerveja fermentamos os açúcares extraídos do malte, na Kombucha é produzido um “mosto” ou chá de alguma variante de Camellia Sinensis com açúcar. A particularidade desta fermentação são os organismos responsáveis por ela, uma mistura de bactérias e leveduras, designada de SCOBY – Symbiotic Culture Of Bacteria and Yeast.

É preciso confessar, o SCOBY é um bicho estranho, ainda mais estranho que o Kveik. Deixem-no metido numa fermentação e provavelmente faz filhos. Se não fizer, usa a cafeína para engordar com mais uma camada de celulose. Já para não falar que cresce em todo lado e mais algum, haja algo que comer, oxigénio e tempo suficiente. E ainda é capaz de colar a superfícies, qual lapa, conseguido vedar algum cO2 da fermentação.

Nenhum SCOBY foi maltratado durante esta sessão fotográfica

A fermentação do SCOBY é um trabalho de transformação dos açúcares em ácidos. Primeiro as leveduras transformam os açúcares em etanol e cO2, para depois as bactérias metabolizarem o etanol em ácidos. Com predominância do ácido acético, o resultado é uma bebida com características reminiscentes daquelas “sours” de Flandres, que tanto gostamos. Especialmente se a Kombucha maturar em cima de Cerejas e algumas groselhas que estavam a ocupar espaço no congelador…

Faz tempo que perseguíamos a ideia de combinar Cerveja e Kombucha. A inspiração deste conceito é uma “faux” Red Flandres ou Kriek. Uma cerveja travestida. Algo que viva no meio destes dois estilos. Uma cerveja disposta a envolver-se com outros organismos para um final feliz (assim esperamos). A cerveja inicial começa como uma Red Ale Belga que procura o carácter de levedura belga bem como as notas de caramelo, que é depois incorporada com Kombucha de Cereja para lhe dar o carácter acético e o sabor frutado da cereja tão usual nas Krieks belgas.

Ora vamos a isto. Para primeira etapa desta viagem, a cerveja.

Brewday normalíssimo e simples (nem parecemos nós). Um grupo de maltes focados nos caramelos a complementar um malte base. Brassagem normal sem grandes truques, mantendo até aqui a coisa simples, que complicações já teremos mais para a frente, está visto. Para esta cerveja vamos fazer maior parte do trabalho com a levedura.

Lúpulo não é para aqui chamado senão para o habitual exercício de balanço com a doçura do mosto.

A escolha de levedura foi feita recorrendo a um processo extremamente científico de ir ao frigorífico procurar todas as leveduras belgas disponíveis, seguida de um critério de eliminação rigoroso e completamente pessoal, que demorou cerca de 30 segundos a completar. Ou seja, depois de termos sorteado que levedura íamos pôr na cerveja, lá fomos nós mandar com aquilo para dentro do fermentador. A ideia era criar uma base notoriamente de estilo Belga com estrutura suficiente para aguentar a Kombucha.

Poker de Levedura Belga

A segunda parte desta cerveja (ou híbrido) é uma Kombucha de Cereja.

5 litros de Chá preto, açúcar amarelo e um Scoby que já virou muita Kombucha e fez um sem fim de filhos e netos. Fermentação entre os 22º-25º C durante 10 dias, puxando a coisa para níveis assertivos de ácido acético. Uma vez que o intuito é diluir em cerveja, é importante que consiga conferir o seu carácter à mistura final. Depois de feita a primeira fermentação da Kombucha, processamos 1,5 Kgs. de cerejas do Algarve – que as do Fundão já são meio démodé – retirando o caroço (que c**** de paciência), esmagando a cereja e incluindo os seus píncaros. Em Portugal ainda há quem faça chá com os píncaros da Cereja e nós mantivemos a tradição. Segue uma semana de contacto com as cerejas a 10º C.

Kombucha feita e pronta. Cerveja fermentada. É hora de juntar os dois mundos. Se vamos criar um buraco negro? Quem sabe?
Como nem tudo o que parece é, tal como esta cerveja se tenta mostrar, demos uma de entendidos na matérias e conduzimos testes, com diferentes concentrações para avaliar qual a quantidade de Kombucha vs. Cerveja.
Resultado: mistura tudo e logo se vê. Ciência!

Ah, esperem, lá em cima falou-se de groselhas, chegaram agora à festa.
Para manter um certo nível chunga ou, se prefirem um aforismo importado, low-cost do nosso equipamento cervejeiro, acabamos a blendar tudo num aparato de um keykeg já usado, meio sodomizado e sem saco interior, para fazer de cuba de maturação. Agora é esperar, deixar os elementos casarem e logo se vê o quão parva foi esta ideia.

Bónus – a palavra Scoby foi utilizada quatro vezes e nem uma vez se fez a piada “scoby-doo” – estamos de parabéns.


Red Ale com Kombucha de Cereja


Lote: 20L
Total Cereal 6.75 kg.
Densidade Inicial: 1.067
IBU: 10
Tempo de fervura: 60 minutos

Cereal

44.4% – 3.00 kg. Vienna
29.6% – 2.00 kg. Extra Pale Ale Malt
11.1% – 0.75 kg. Espelta
7.4% – 0.50 kg. CaraRed Malt
3.7% – 0.25 kg. Aveia
3.0% – 0.20 kg. Crystal DRC
0.7% – 0.20 kg. Chocolate Malt

Lúpulo

30 gr. Fuggle (pellet, ~4,5% AA) @ 30 min.

Extras

5 Litros de Kombucha de Cereja contam como extra?

Levedura

Mangrove Jack’s M41 Belgian Ale

Água

Ca: 59
Mg: 16
Na: 28
Cl: 68
SO4: 94
Cl to SO4 Ratio: 0.72

Brassagem

Sacarificação – 60 min. @ 68ºC
Mash Out – 10 min @ 76ºC

pH@30 min 5.30

Observações

24/07/2020
A arte de blendar cervejas pode ser tão complicada como múltiplos tasting sets para chegar à formula final. Também pode ser simplesmente “bota isso tudo lá pa dentro”… A Kombucha foi toda para a cerveja.

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