Lichtenhainer de Uva Branca e Lima

Lichtenstein, Lichtenhainer e Lichtsteiner. Para nós estes nomes soam todos ao mesmo mas só um fica na memória. Lichtenhainer, porque é cerveja. Esta era fácil de advinhar. Começamos a achar que malta inventa estilos “históricos” só para validar ideias idiotas que alguém, não menos idiota, teve. Deviam ser considerados estilos “estóricos” já que quando tentamos saber mais, é com cada xaropada de estórias, que nem no netflix tinham espaço.

Depois isto fica ainda mais chato porque, sabem, anda uma pessoa a ler e ler, aprender sobre cerveja, cursos disto e daquilo. Mas depois vai a uma loja qualquer de cerveja artesanal e nem uma Lichtenhainer existe para se provar. Ora bolas, assim é tramado, um gajo armado em intelectual para ver se consegue limpar uns copos ao final do dia sem ser considerado um alcoólico e nem uma cerveja ácida e fumada se encontra. Bandidos.

E como este estilo há dezenas de outros, obscuros e algo perdidos na história e entre estórias. E se pensarmos noutras bebidas que em tempo caracterizavam as vilas e as cidades, são milhares. É com pena que colhemos os frutos de uma sociedade que abraçou a industrialização, sacrificando a tradição, costumes e autenticidade. Restam-nos os investigadores, os livros, os resistentes que nunca deixaram de produzir aquilo em que acreditavam e os cromos deste blogue que acharam uma cerveja fumada e ácida era uma coisa incrível (E é. Deixem-se de coisas. É mesmo).

A história, real e com vários capítulos, começa em Budapeste, correndo o ano de 2018. Déjà vu? Devem estar a fazer confusão. Nessa viagem, que muito mais teria para se contar incluindo umas fotografias bonitas de se ver, não fosse o regime geral de protecção de dados, ao longo dos dois dias de festival há uma cerveja que marca: uma Berliner Weisse com Maracujá. Bang! Desta não estavam à espera.

Houve uma Berliner Weisse com Maracujá incrível, é certo, mas no meio de cervejões de nível mundial foi uma tímida cerveja de 3.6% de álcool a levar a taça.
Limpa, fresca, ligeiramente frutada e fumada. No ponto. Um dia sabíamos que lhe íamos prestar uma homenagem. Demorou, mas a paixão ficou, tendo havido até umas brincadeiras caseiras, pré-Hotel, com 100% malte fumado. E pelos caminhos da cerveja artesanal ainda se conseguiu agarrar uma ou outra na viagem. Mas faltava-lhes o charme que, pelo menos na memória, esta cerveja tinha.

E como as memórias valem o que valem, se fizermos muita força para acreditar nelas, acabamos por conseguir moldar a nosso belo prazer. Portanto nada sabíamos sobre a cerveja a não ser: ácido, fumado, levedura de vinho branco.
Não é muito mas já deve dar para desenrascar. Saca as panelas que é hora de brassar.

Já lá vão uns meses com as nossas portas, em digital, abertas. Já muito se falou: para quando a comercialização? Tenham calma. Jogar à bola com os amigos é muita fixe, quando vira profissão e há uma obrigação, o prazer acaba por desaparecer.
Aqui a única coisa que nós queremos fazer desaparecer é uma quantidade de comida e bebida, por vezes não muito saudável, durante os dias de brassagem.
No dia que perdermos isso, errámos.
E pelos caminhos desses almoços, lanches e jantares, com ou sem panelas no meio de nós, aprendemos umas coisas.
E esta podem levar de borla: querem impressionar alguém no próximo encontro? Raspem uma lima em cima de uvas brancas. Não precisam de agradecer, depois pagam um copo.

Há dias que se querem fáceis, há receitas que não precisam de ser complicadas. Bem, até podiam ser, mas começar produções no final do dia de uma sexta-feira já sabemos que o discernimento é baixo.
Contas fáceis, 5kg de malte, 75% malte de cevada fumada com faia e 25% malte pilsner. Mosto temperado com alguns minerais e a caminho dos 66ºC.

Mosto feito, devidamente fervido para limitar qualquer vida microbiológica antes da fermentação láctica. Pré-acidificação, pH a 4.5, para criar um ambiente mais seguro, queremos deixar o Lactobacillus brilhar, isto não é um open-mic de stand-up microbiológico.
Cultura de lacto lá para dentro e vamos tirar uma sesta de 48 horas, comer alguma coisa e ver como estão a evoluir os lotes passados. Até já.

Vivemos duas vidas: a de segunda a sexta e a de sexta a domingo. Gostamos das duas. Complementam-se, onde uma acaba, a outra começa. Aqui escrevemos as regras e levantamos os limites, arriscamos e aceitamos o risco. Há paixão e dedicação, sacrificamos mais um Domingo para nos ser possível trazer momentos de lazer, seja com estas palavras ou nas cervejas que vão bebendo por aí.

Dia fácil, mais curto que metade do trabalho já foi feito, agora é ferver o mosto. O Lactobacillus já acabou a sua performance, mas o espectáculo tem de continuar. pH a 3.42 promete representar a acidez que o estilo augura, apontamos para 20 IBUs, densidade a 1.042 antes da fervura. Sai um pouco alto mas nada que um pequena diluição não resolva.

Para honrar a cerveja de Budapeste, falta a levedura de vinho: vamos com algo genérico, sem mais saber. Falta aprender muito, o mundo é muito vasto, esperamos que um dia, em que esta cerveja seja revisitada, a escolha da levedura já possa ser mais informada. Por agora, fazemos o que sabemos melhor: acreditar que vai dar certo.

Agora, para baralhar as coisas: o que por aqui escrevemos são as nossas aventuras pelo mundo da cerveja, por agora focado na produção. Os relatos que partilhamos convosco, quase sem excepção, são relatos da produção de um mosto. Resumimos, escrevemos uns parágrafos e siga.
Porém, por mais regadas que as sessões de brainstorming sejam, nem sempre as ideias brilhantes se juntam a nós. Tal como as cervejas, algumas ideias precisam de maturar um pouco mais.

Volvem-se umas semanas e provamos a cerveja, já fermentada. Cumpre e alinha-se com o nosso imaginário, mas a cerveja merece mais, merece o palco principal. Agora vem o desafio, se uma cerveja fumada e ácida já é desafiante o suficiente, como vamos tentar elevar a fasquia?
Bem, para nosso alívio a resposta estava em cima da mesa, num prato de uvas brancas com raspa de lima. Já vos dissemos, é um bom truque para impressionar num date. E se não forem de dates, nada temam, impressionem-se a vocês próprios.

E foi assim que os astros se alinharam para que uma Lichtenhainer com uvas e lima pudesse ver a luz do dia. Pode ser que venha a ser a próxima tendência do panorama da cerveja artesanal.
Duvidam? Nós também, mas com uma curiosidade maluca para saber o que vai sair daqui.


Lichtenhainer com Uvas e Lima


Lote: 20L
Total Cereal 5 Kg.
Densidade Inicial: 1.036
IBU: 20
Tempo de Fervura: 60 minutos

Cereal

76% – 3.8 Kg. Malte de Cevada fumado com faia
24% – 1.2 Kg. Malte de Trigo

Lúpulo

20 gr. Saaz (pellet, 4.5% AA) @ 30min.

Extras

Nutrientes levedura @ 5 min.

Levedura

Young’s All Purpose White
Lallemand Wildbrew Helveticus Sour Pitch

Água

Ca: 43
Mg: 8
Na: 28
Cl: 44
SO4: 54
CL to So4 Ratio: 0.81

Brassagem

Sacarificação – 60 min. @ 66ºC
Mash Out – 10 min @ 76ºC

pH@ 5.4 brassagem
pH@ 4.5 pré-acidificação
pH@ 3.42 pós-acidificação

Observações

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