Grape Ale com Maceração Carbónica

Continuamos a insistir numa verdade em que acreditamos: a uva em Portugal e a sua combinação com a cerveja. E como escrevemos anteriormente, acreditamos em mais possibilidades do que só o habitual Grape Ale. Para esta cerveja exploramos uma outra dessas possibilidades. Abordamos pela primeira vez uma técnica, também ela do mundo do vinho. A maceração carbónica de uvas.

A maceração carbónica é uma técnica usada na produção do vinho Francês da região de Beaujolais, nomeadamente o Beaujolais nouveau. Este vinho produzido a partir de uva tinta da casta Gamay, é famoso pelo seu aroma com notas frutadas e corpo leve. E também por ser consumido bastante jovem, ficando pronto mais rapidamente do que os outros vinhos.

Para o fazer, as uvas são colocadas num tanque grande pressurizável. Em seguida o tanque é enchido com cO2, purgando-o de oxigénio e criando o ambiente de anaerobiose gasoso necessário para o início da maceração. Esse cO2 vai então permear a casca da uva e desencadear uma fermentação dentro do bago da uva. Com o decorrer da fermentação as uvas expandem, rompendo a pele. Por outro lado, também o peso de toda aquela massa de uvas, acaba por esmagar as uvas que estão no fundo do tanque, libertando os sucos que começam também a fermentar.

Ora nós não temos uma quinta com vinhas enormes, temos uma pequenita e viva o velho, e ainda por cima não está assim tão perto. Fazer a vindima, também já não é como dantes. Por isso, esta experiência é recriada à escala de cervejeiro caseiro, com as devidas adaptações e redução de tamanho.

Vindima feita!

Para começar precisávamos de um tanque pressurizável. E para isso nada como um bom velho soda keg cheio de amolgadelas. Depois, as uvas. Limpas do pó mas pouco mais do que isso, e com o pé atrás. É preciso manter o bago selado para a fermentação ocorrer lá dentro, mantendo a integridade até à hora de rebentar. Preparação feita, enchemos o keg com o máximo de uvas que conseguimos arranjar, mas que dificilmente vão criar aquele feito de pressão sobre as que estão no fundo. Mantemos a fé, e seguimos com coragem. É esperar que a natureza, e o cO2, faça o seu trabalho.

Não se passa nada…

Mas tudo isto faz demorar a nossa experiência. Ao final de uma semana seria de esperar já actividade, mas após inspeção… não havia grande coisa a acontecer. É o que faz andar a ver vídeos deste tema, que se passam em adegas enormes, onde tudo nesta maceração acontece mais rápido… Mas pelo menos as uvas continuavam impecáveis no seu ambiente livre de oxigénio.

Voltamos a fechar e continuamos a fornecer cO2 ao tanq… ai keg, digo. E esperamos mais 2 semanas. Voltamos a abrir o keg, qual criança com aquela expetativa enquanto desembrulha uma prenda e espera encontrar o seu presente pretendido lá dentro. E voilá! Fumo branco – algum só, do cO2 – Habemus fermentação! Uvas rompidas, sumo da uva no fundo, as provas da maceração a acontecer. E cheira a meloa como sei lá o quê! Wait, what!?

Depois do espanto e adoração, passamos isto para dentro de um fermentador e entroncamos com a nossa própria história. Lembram-se daquela faux-saison da Lituânia que fazemos em formato solera? Pois bem, que melhor base para servir de cama as estas uvas e continuarmos a fermentação. Com a cerveja já feita da última volta da solera, transferimos para o mesmo fermentador e dá-se o casamento.

Uva boiando numa solera de Saison

Nos dias seguintes começa uma série de sucessivos punch down, remontagens ou lá o que quiserem chamar ao acto de empurrar as uvas para baixo e quebrar a manta. Num fermentador de 20 litros de plástico, não há cá cubas tronco-cónicas enormes em stainless.

Entretanto a vida muda. As pessoas mudam-se. A cerveja muda-se também para dentro de uma câmara fria. Os dias mudam, mas parecem todos iguais e nisto passam-se meses até voltarmos a pegar nela. Até a resgatarmos do seu confinamento para continuar o seu percurso até à garrafa.

Transferência de sifão com esfregão na ponta, aliás filtro… para um balde de engarrafamento de forma a deixar para trás os bocados de fruta e casca que criam pontos de nucleação que não dão jeito nenhum na garrafa… A não ser que estejam à procura de uma forma rápida de pintar o tecto. E podemos confirmar que funciona, que nisto somos especialistas. Alguns bares em Lisboa não nos deixam mentir.

Pelo meio, de copo na mão, lembramos uma experiência também com uvas, ainda antes de tudo isto tomar forma. A história e estória não vos deve ser estranha. E se dizem que o que se estranha entranha, então esta não foi o caso. Com mais de um ano a descansar tinha os mesmos problemas que quando era nova. Esperamos ter aprendido com os erros. Bem não aprendemos tudo já que voltamos à carga. E voltaremos sempre. Às armas, às armas! Sobre o malte e a uva! Às armas, às armas! Pela Grape Ale lutar! Com as leveduras marchar, marchar!

Desculpem o Devaneio (boas cervejas, já agora), voltando à realidade, muita perda de líquido pelo caminho, mas nada que já não estivéssemos à espera. Resultado: poucos exemplares desta colheita. Mas enfim, a viagem até à última morada está concluída. Cerveja na garrafa. Priming feito e não esquecido. Agora é deixá-la maturar. Como o vinho. Até à próxima (vindima).


Grape Ale com Maceração Carbónica


Lote: 19L
Total Cereal: 5,03 Kg.
Densidade Inicial: 1.048
IBU: 30
Tempo de fervura: 90 minutos

Cereal

35% – 1,76 kg. Extra Pale Ale Malt
35% – 1,76 kg. Trigo
15% – 0,75 kg. Espelta
10% – 0,50 kg. Aveia
5% – 0,25 kg. Centeio

Lúpulo

8 gr. Columbus (pellet, ~14% AA) @ 60 min.
35 gr. Vic Secret (pellet, ~15,5% AA) @ 5 min.
20 gr. Saaz (pellet, ~3,75% AA) @ 5 min.

Extras

2 ramos de Alecrim no final do boil. Para abençoar o Kettle.
1 soda keg mal cheio de uva Morangueira submetida a maceração carbónica durante 3 semanas

Levedura

Omega OLY-033 Jovaru Lithuanian Farmhouse – Solera
Toda e mais alguma levedura agarrada as Uvas

Água

Ca: 64
Mg: 7
Na: 36
Cl: 53
SO4: 111
SO4 to Cl Ratio: 2.1

Brassagem

Sacarificação – 60 min. @ 66ºC
Mash Out – 10 min @ 76ºC

pH@45 min 5.32

Observações

11/10/2020 – Solera Saison Lituana marca encontro com uva Portuguesa dentro de um fermentador. Parece que existe química entre ambas.

27/12/2020 – Bottling. Yield baixinha. Esta cena de meter o esfregão de aço no sifão acaba sempre com um gajo a enfiar o braço na mistela à procura dele. Note to self: se calhar há cenas do homebrew onde não era preciso ser tão chunga.

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