Tmavé Pivo

Mas que raio é isto agora? Já não existem nomes de jeito para um estilo de cerveja? Perguntem aos checos, a responsabilidade pelo nome inusitado é deles. Mas a cerveja é boa. Tmavé Pivo é mais um estilo de cerveja da família das lagers, escuras neste caso. Pode-se dizer que é a versão checa da schwarzbier alemã.

A história desta cerveja está intimamente ligada a um sitio chamado U Fleku, na cidade de Praga, que consta que é o brewpub mais antigo do mundo ainda em operação, fundado em 1499 (sim, não é um typo, é mesmo essa a data e são mais de 500 anos). Consta também que o anterior mestre cervejeiro do sítio, dedicou grande parte da sua carreira a aperfeiçoar a sua arte, mais propriamente 44 anos! E no U Fleku só se faz uma cerveja, a Tmavé Pivo. Este é o tipo de dedicação e foco que leva ao aperfeiçoamento da cerveja, bem como a uma optimização de processo e custo que permite que um pint da cerveja lá custe o mesmo que uma coca-cola ou uma água… (mas quem é vai a este sítio beber coca-cola ou água??).

De mãos dadas com a Tmávy Pivo temos a Tmávy Lezak. Não sabemos bem qual a rivalidade entre elas, mas de certeza que a segunda não teve ninguém a dedicar-lhe tanto tempo nem gerações. Tmávy Lezak, traduz-se simplesmente para “dark lager”, ou seja, o que vos trazemos hoje é cerveja de especialidade dentro de um sub-estilo obscuro. Não precisam de agradecer.

Por falar em agradecimentos, um enorme obrigado aos anónimos – e conhecidos – que lutaram pela proliferação da cerveja por toda a Europa. A República Checa acaba, muitas vezes, esquecida nestas conversas. A verdade é que o país que alberga a cidade de Pilsen teve um papel fundamental no moldar do panorama cervejeiro a nível global. Numa fase inicial, até talvez mais que a Alemanha ou Áustria. Controverso?

Falando de assuntos sérios, esta é uma cerveja de beber fácil (não são todas?), mas mais redonda, maltada e mais suave que a congénere Alemã. E enquanto a história alemã chegou ao BJCP, que fez dela um estilo oficial, por motivos mais estranhos a Tmavé Pivo nem sequer lá aparece. Mas não é por aí que deixou de ser feita. E diz o senhor Ivan Chramosil, que sabe uma coisinha ou duas sobre este estilo de cerveja depois de o fazer durante 44 anos (pelo menos), que esta cerveja precisa de ser feita com decocção. Tripla. Oh joy… Homebrew joy.

E se nos perguntam quais as diferenças entre uma dunkel ou schwarzbier e a Tmavé Pivo, respondemos como o senhor Hlavsa: “nunca bebi nenhuma das duas”. E não menos importante, este ser que dedica a sua vida a tão nobre ofício, destaca que a Tmavé Pivo pode ser mais doce, tendo um extracto original mais elevado, mas como o senhor diz, gosta das cervejas amargas.
Bom, como compreenderão, se eles dizem, quem somos nós para contrariar? Eles é que sabem.
De todas as formas nunca tivemos grande apreço pelo nosso tempo, por isso aqui vamos nós. Sacar das panelas todas que estiverem à mão, porque não há certamente uma panela de sopa suficientemente grande para conter o volume todo da decocção, portanto mais vale distribuir tudo pelas várias panelas existentes nos armários.

Para o malte, uma base Pilsner, uma dose saudável de malte Munich, um caramelo para adocicar e um pouco de malte torrado para dar cor e algum sabor, mas sem ser intrusivo. O truque desta cerveja começa agora na brassagem, com a dança das panelas. Um kettle para fazer a cerveja, uma panela de ferro fundido, mais uma panela normal de fazer arroz. Uma tarde inteira pela frente. Primeiro, à maneira antiga, uma paragem nos 35ºC para descansar o ácido (é um Acid Rest cá no burgo).

A ideia deste processo de decocção é ir retirando uma porção do volume da brassagem, fervê-lo e depois devolver à brassagem. Para a primeira volta são quase 7 litros. Era bom que coubesse tudo na mesma panela, mas como não cabe vamos distribuir pelas outras e esperar que isto funcione. Feita a primeira transferência, este vosso escriba começa a questionar-se se isto foi realmente uma boa ideia… Com isto, damos uns 15 minutinhos a 66ºC na panela do estufado, para termos alguma conversão antes de subirmos para fervura e começar uma decocção. Para este caso de uma cerveja escura, vamos esticar isto para 40 minutos para aumentar a produção de compostos de melanoidina. Tudo isto voltando ao velho termómetro de ponta e sucessivas afinações no bico do gás para atingir a temperatura desejada.

Chegamos final ao final da decocção (da primeira, melhor dizendo) e devolvemos tudo à panela cervejeira. Pelo caminho, a primeira queimadela no braço e aqui se confirma que afinal isto não foi assim tão boa ideia. Mas agora já não dá para voltar para trás. Mete Biafin que ainda faltam mais duas voltas no carrossel do mosto e panelas. Round dois, aqui vamos nós. A próxima é de mais de 8 litros. Vai ser um dia longo… Depois de muitas voltas para trás e para a frente com malte e mosto a temperaturas impróprias, chegamos finalmente ao fim das três decocções, com todo o volume na panela. pH nuns simpáticos 5.47 que não carece de afinação, subimos para os 75ºC para o mash out e siga para a fervura.

90 minutos de fervura, simples sem grandes invenções. Densidade da pré-fervura acima do esperado a denotar o aumento de eficiência da decocção, mas nada que estrague os nossos planos. Um bocado de lúpulo para amargor ao início, usando o Warrior que estava à mão e uma pitada do tradicional Saaz checo para abrilhantar os últimos 5 minutos da fervura.

Daqui para a frente não há grandes truques, arrefecimento para a temperatura mais baixa possível, passar para o fermentador e colocar no frigorífico mais uns minutos enquanto se lava a chafurdice feita durante a tarde. Com o mosto nuns possíveis 15ºC, inoculamos com a tradicional levedura de lager Checa, sendo que previamente tínhamos feito um starter de 2.3 litros para um pitching rate objetivo de 1.55M células / mL / °P. Para a fermentação, vamos para os 9ºC, a fermentar a esta temperatura quase duas semanas, subindo perto do final para os 15ºC para limpar o diacetil.

Depois lagering de pelo menos 4 meses, ou na realidade, 5 meses até o barril acabar a navegar à “Bolina” em direção a um dos pátios mais agradáveis para se beber cerveja em LX. Consta que está num tap perto de si (para quem estiver em Lisboa).

Aproveitem e fiquem connosco para mais uma data de cervejas sem sentido mas que até nem sabem mal! Ah, e menções históricas que ninguém quer saber e que já estão fartos de ouvir. Por falar nisso, já ouviram a estória de como as IPAs foram inventadas? Era uma vez…


Tmavé Pivo


Lote: 20L
Total Cereal: 4,76 Kg.
Densidade Inicial: 1,056
IBU: 25
Tempo de fervura: 90 minutos

Cereal

60% – 2,85 Kg. Malte Pilsner
25% – 1,19 Kg. Malte Munich II
10% – 0,48 Kg. Caramunich III
05% – 0,24 Kg. Carafa Special II

Lúpulo

10 gr. Warrior (pellet, ~15,5% AA) @ 60 min.
50 gr. Saaz (pellet, ~3,2% AA) @ 5 min.

Extras

Nutrientes para levedura @ 5 min.

Levedura

Wyeast Labs Czech Pilsner Lager #2278

Água

Ca: 41
Mg: 5
Na: 26
Cl: 52
SO4: 42
SO4 to Cl Ratio: 0.8

Brassagem

Uma tarde inteira…

Acid rest – 45 min @ 35ºC
Tripla decocção – 15 min. de conversão, 40 min. de fervura
6,79 L
8,51 L
3,68 L

pH@decocção2: 5.64
pH Pre-Boil: 5.47

Observações

08/03/2021 – Inicio do Lagering. 1,018 de densidade final.

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