Golden Sour com Pêssegos fermentados

Neste hotel para além das fermentações cervejeiras também nos aventuramos nas outras fermentações. Ainda não produzimos penicilina através de levedura, mas com tempo vamos lá. Muito pão já se fez (sem nunca deixar estragar), alhos fermentados em mel, chucrute, kimchi, cebola e até os tomates já pusemos a fermentar (os cherry, entenda-se). E claro… fruta. Neste caso, Pêssegos e parentes próximos.

Os pêssegos e seus parentes são a estrela principal desta cerveja, como naquele jantar de família chato. A combinação destas frutas de caroço com o mundo da cerveja, principalmente com cervejas ácidas, é há muito tempo uma relação bem sucedida. Enquanto que os ingleses e os alemães tradicionalmente fugiram disso, por um lado porque a lei da pureza não deixou, por o outro a vontade de beber em copos e canecas cada vez maiores não facilitou, já no caso da escola belga o uso de fruta nas cerveja espontâneas, como é o caso da cereja, é já histórico. A incorporação de pêssegos surge mais recentemente, mas é nos dias de hoje bastante comum. Já do outro lado do “lago”, as modernas Florida Weisse americanas e as Catharina Sour brasileiras, fizeram da fruta não um acessório, mas sim um componente obrigatório. Levando ainda mais longe esta relação entre fruta e cerveja.

Para fazermos isto, a abordagem mais simples seria ir por algum caminho destes mais recentes, mas não seríamos fiéis aos nossos ideais de sã loucura cervejeira se o fizéssemos. E assim sendo, veio uma ideia, qual fusão de fermentações. Uma verdadeira mistura de fermentação mista! Desculpem a redundância, era preciso.

Para a cerveja, fizemos a clássica receita de golden sour. Fervura de 90 minutos (aí em casa, se se perguntarem “porquê?” – provavelmente estaríamos entretidos em actividades lúdicas) sem grandes truques, apenas um punhado de lúpulo velho a 30 minutos do fim e nutrientes para levedura quase no fim. Depois arrefecido o mosto, foi despejado em cima da levedura do raw ale que fizemos anteriormente, para fazer nova fermentação a 30º C. Como já perceberam, com os meses a passarem cada vez imprimimos menos esforço na produção de mosto, há tarefas mais importantes.

Quanto os pêssegos, mais que simplemente usá-los na cerveja, vamos fermentá-los, aventura já pensada há algum tempo, que encontrava agora espaço para ser posta em prática. Para isto tínhamos duas abordagens possíveis e, claro, não nos decidimos por nenhuma. Fizemos ambas as duas. Considerem isto uma grelhada mista, ou diríamos, “fermentalhada” mista. Pedimos desculpa pelo trocadilho de incrível mau gosto…

A primeira leva de pêssego e seus parentes caroçados foram para um abordagem de fermentação láctica. Neste processo de fermentação, as bactérias naturalmente presentes na fruta consomem os açúcares disponíveis e produzem ácido láctico durante esse processo. O resultado final é super saudável (aproveitem mais esta desculpa para justificar a cerveja que bebem…), recheado de probióticos e mantendo os nutrientes durante o processo de fermentação. E não é difícil de fazer, uma quantidade de fruta, misturada com 2% de sal (2% do peso da fruta), colocar tudo num recipiente vedado e dar lhe tempo. Aqui no nosso caso foram 7 Kg. de pêssegos de variadas espécies (paraguaios, nectarina e alperces) cortados às rodelas juntos com o sal no contentor cujo o headspace foi também purgado com cO2 – provavelmente não foi, mas fica bem dizer que sim. Mentiras saudáveis, quem nunca?

A outra parte foi para uma fermentação em mel. Esse alimento secular, que contém tanto micro-organismo e propriedades por explorar, potenciadoras de fermentação. No pão por exemplo é muitas vezes usado como acelerador para as culturas de massa mãe, vulgo sourdough (bónus, sempre que pensarem em sourdough, repitam connosco “pão caseiro”, não são necessários anglicismos para sermos da moda). Esta abordagem é bem mais simples: basta embeber os pêssegos fatiados numa quantidade generosa de mel, e deixar a natureza fazer o seu trabalho. No nosso caso, 1 kg. de pêssegos não usados na fermentação láctica, mas neste caso embebidos em 1 kg. de mel. Alguns dias depois, são visíveis algumas bolhinhas pequenas, os primeiros sinais de fermentação. Por osmose os pêssegos libertam líquido, o mel fica menos espesso, diluindo-se, permitindo aos microorganismos trabalharem sem o peso da pressão osmótica. O recipiente onde estão já faz “pop” quando se abre, um som que agora passa a significar o contentamento por ter uma fermentação a funcionar.

Mel, doce pêssego de mel

Depois de completadas as 3 fermentações, é tempo de juntarmos tudo, colocando no mesmo espaço toda a cerveja e pêssegos, assim deixados durante mais umas semanas para dar oportunidade de refermentar tudo junto. A ideia é ir buscar a componente de acidez láctica à fermentação dos pêssegos, juntamente com o sal e deixar a cerveja embeber daí. Pelo meio alguém achou boa ideia adicionar umas borra da uma cerveja qualquer de fermentação mista que se bebia nesse dia. Só boas ideias…

Bobinamos a cassete três semanas para a frente e o resultado final disto sai demasiado salgado e por isso há que blendar a cerveja. E é por isso que dá jeito manter uma saison em solera à mão, para estas “oportunidades” onde a mesma se junta facilmente. Depois de algum debate e experimentação lá chegamos ao versão final desta cerveja.

Aqui não se usa qualquer copo para fazer blends, pensam o quê?

Embalamento feito com priming (ups, deixámos ficar este anglicismo, que hipócritas) a apontar para uns 3 volumes de cO2 e embalado em recipientes de dimensões não muito usuais para nós, mas esta foi especial e para ocasiões especiais… Aos que beberam, obrigado e desculpem a destruição das vossas papilas com tanto sal, mas em dia de festa não faz mal.

Talvez das cervejas mais malucas que tivemos a oportunidade de tornar real, o que vos parece este estilo para o rótulo:

Imperial Peach Fermented Honey Gose de Coupage with Naturally Fermented Peaches, Nectarines & Apricots with Brettanomyces Randomenxis and local flora.

Por cá não se preocupem, ano novo mas a maluquice continua(rá). Bom ano novo!


Golden Sour com Pêssegos


Batch: 20L
Total Cereal: 4,91 Kg.
Densidade Inicial: 1.048
IBU: poucachinhos
Tempo de fervura: 90 minutos

Cereal

75% – 3.7 kg. malte Pilsner
10% – 0.5 kg. Aveia descascada
10% – 0.5 kg. Trigo
3% – 0.15 kg. malte Aromatic
2% – 0.10 kg. Crystal T-50

Lúpulo

Lúpulo, do velho, aged in frigorífico (pellet) @ 30 min.

Extras

Millions of peaches, peaches for me
Millions of peaches, peaches for free
Millions of peaches, peaches for me
Millions of peaches, peaches for free
Look out

Levedura

Restos de RawAle, Restos de Jovaru, Restos de cenas em garrafas… Economia circular.

Água

Ca: 60
Mg: 12
Na: 21
Cl: 80
SO4: 40
SO4 to Cl Ratio: 0,5

Brassagem

Protein Rest – 15 min @ 52ºC
1ª Sacarificação – 30 min @ 63ºC
2ª Sacarificação – 30 min @ 72ºC

pH@30 min 5.36

Observações

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