Witbier Limões Fumados

Agradeçam ao Pierre Celis por ainda termos Witbiers no mercado. Como se não fosse suficiente ter garantindo a preservação de um estilo de cerveja dos monges que estava em declínio, criando a Hoegaarden, ainda emigrou para os EUA para fundar a Celis Brewery, repetindo a formula de sucesso no outro lado do Atlântico, inspirando marcas como a Blue Moon. Se alguém quiser oferecer o livro acima, é bem recebido.

Homenagem feita, processo definido, como poderíamos estragar tudo isto? Pelo título, acho que já perceberam como… Mas fiquem atentos, há sempre como piorar…

As Witbiers é suposto terem algum sabor a limão, embora tipicamente seja proveniente das adições de sementes de coentros. Como aqui no Hotel gostamos de explorar formas diferentes de abordar cerveja, optamos por um twist. A primeira parte da desta cerveja começou ainda antes do Brew Day, colocando uns sumarentos limões, vindos da mercearia indiana mais próxima, no churrasco. Depois de fumados longamente, no mesmo churrasco que daqui a umas horas ia aviar umas entremeadas, ficaram guardados para juntar à brassagem da cerveja no dia seguinte. São estes que vão adicionar então o sabor e aroma a limão pretendido nesta cerveja.

Limões fumados no churrasco
Not your average wood

Mas como fumar isto em carvão normal não era desafio suficiente, optamos por incluir uma madeira especial para fumar estes limões com um aroma especial a porquinho do bom. Afinal se servia para a entremeada, também há de servir para os limões.

Aproveitando o confinamento para por alguma leitura em dia foi tempo de retirar pó ao Radical Brewing do Randy Mosher. Hoje em dia pode parecer desactualizado, mas em 2004 algumas das ideias apresentadas eram, de facto, pioneiras.

Falando do processo, usando uma quantidade bastante de cereais não maltados, trigo e aveia, é ideal conduzir um cereal mash para garantir a conversão do amidos em açúcares disponíveis para a levedura. Brassagens de infusão simples, ou com rampas, hoje em dia são muito fáceis, há aqui algum homebrewer sem uma panela eléctrica?

Como temos pouco amor ao nosso tempo, achou-se boa ideia seguir os passos históricos e produzir um cereal mash. No que é que isto se traduz? Duas panelas eléctricas, a primeira com uma brassagem dos cereais maltados, pale ale e munich, com primeira rampa a 55ºC, a segunda com os cereais não maltados, trigo e aveia, juntamente com uma pequena parte do cereal maltado, para que exista algum poder diastático.

Depois de juntar os cereais não maltados a 55ºC, durante 15 minutos, aumentamos a temperatura para 66ºC e promover conversão, de alguns, dos amidos em açúcares fermentescíveis. Como nem todos os amidos estão disponíveis, para que possam ser convertidos pelas enzimas, devido aos cereais não maltados, temos de garantir a gelatinização, fervendo este mosto.

Com o mosto fervido, durante 15 minutos, foi adicionado ao mosto inicial, com os cereais maltados. Esta adição dispara a temperatura do mosto para a temperatura de conversão desejada, 69ºC. Parece fácil até aqui, certo? Pelo caminho de incorporar as duas brassagens ainda tivemos tempo de adicionar os limões fumados. Já se tinham esquecido que havia limões fumados? Não somos os únicos tolos a fumar citrinos, apresentamos-vos Rowley Farmhouse Ales.

A brassar limões fumados

Como corre sempre tudo bem, adicionámos os limões, medimos o pH por descargo de consciência, e claro estava tudo errado. A brassagem deve ter um pH entre 5.2 e 5.7 (depende do autor), e nós estávamos nos desconfortáveis, 4.85. Com alguma pesquisa, algumas contas, corrigimos o pH com bicarbonato de sódio para 5.2. Pesamos, adicionamos, mexemos, esperamos, medidos, 5.67. Alguém seleccionou o corrector de pH errado, fez contas para uma adicão de giz e não de bicarbonato de sódio. Já sabem, nunca nada corre mal.

Peripécias de parte, o resto do dia roçou a perfeição, fervura de 90 minutos, enquanto se preparavam as especiarias, pimenta-da-guiné (grains of paradise) e alcaravia, em partes iguais de 15 gramas. Um cervejeiro caseiro gasta centenas de euros em equipamentos, alguns de utilidade duvidosa, mas depois não tem um moinho de especiarias. Acreditem, pilão e almofariz são uma prática terapêutica.

Aqui o limão substitui a tradicional laranja, a alcaravia tenta compensar a doçura que o limão não tem e a pimenta-da-guiné, que tem uma cumplicidade muito grande com o limão, ao contrário das sementes de coentros, não tem um perfil cítrico.

Fervura concluída, demos um twist moderno, em homenagem ao senhor falado acima, o Pierre Celis, que dizia: “colocar especiarias na fervura, só serve para agradar o vizinho”, arrefecemos o mosto para 80ºC (considerado ainda temperatura de segurança, a adicionámos as especiarias, para conservar e reter o máximo aromas das especiarias. Obrigado aos hazeboys deste mundo pela dica.

Pelo meio ainda se retirou um pouco de mosto para hidratar a levedura, Mangrove Jack’s M21 Belgian Witbier, que já mostrava actividade antes de inocular, durante a hora de hidratação(!). Tudo arrumado e limpo, já caiu a noite, hora de atacar o javali que estava no forno.

E a vossa Páscoa, como foi?


Witbier Smoked Lemons


Lote: 20L
Total cereal: 5.52 kg.
Denside inicial: 1.052
IBU estimado: 14.5
Eficiência: 70%
Tempo Fervura: 90 minutos

Cereal

Brassagem:
30.4% – 1.68 kg. malte pale ale
9.8% – 0.54 kg. malte munich
Cereal Mash
30.4% – 1.68 kg. trigo duro
19.6% – 1.08 kg. malte pale ale
9.8% – 0.54 kg. aveia

Hops

50 gr. Savinjski Goldings (pellet, 2.70% AA) @ 60 min.

Extras

Nutriente levedura @ 5 min.

Levedura

Mangrove Jack’s M21 Belgian Witbier

Água

Ca: 68
Mg: 11
Na: 28
Cl: 87
SO4: 66
Cl to SO4 Ratio: 1.33

Brassagem

Brassagem – 15 min. @ 55ºC, 60min @ 69ºC, mashout 15min. @ 78ºC
Cereal Mash – 15min. @ 55ºC, 30min @ 66ºC, fervura 15min., incorporado na brassagem.

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