Grape IPA com Kveik

Onde pode Portugal melhorar e diferenciar-se? Aproveitando os recursos, largos, que tem. No nosso mundo cervejeiro, dada toda a tradição à volta do vinho parece até estranho a pouca importância, até agora, que as cervejeiras dão a essa oportunidade, especialmente quando comparados com os colegas Italianos. Sejam as barricas, as leveduras ou, neste caso, as uvas.

A uva, meu caro. A uva…

Fruto de um movimento do qual o “Maldito” Gonçalo Faustino tem sido um dos grandes impulsionadores, o Grape Ale, que não precisa de ser só italiano, tem voltado agora com mais destaque às produções do mercado nacional. Um dia talvez venha mesmo a constituir-se como um estilo próprio, bem definido.

Até lá, no Brett Hotel mantemos a nossa honrada tradição de ajavardar tudo quanto possamos – o que nós melhor sabemos fazer.
Casamos um tradição Portuguesa com os organismos vindos da Escandinávia e o lúpulo Americano – quem sabe se será o próximo Mateus Rosé.

A uva, de variedade morangueira, colhida à mão no Portugal profundo, onde o tempo tem outra velocidade e em tempos era à velocidade do vinho.

O Kveik, esse novo género de levedura que desafia todas as ideias conhecidas sobre fermentação de cerveja. Norueguês de origem, da região de Grodås, mas que nos chega através de um dos ponta de lança portugueses da cerveja artesanal, na Escandinávia, o Fábio Oliveira. Oportunidade para explorar mais uma estirpe de Kveik, “Lida”, que ainda não conhecemos e que já começa também a ser produzida comercialmente. No seu perfil de sabor, as notas de fruta e uva branca casam perfeitamente com o conceito grape ale. Para além deste Kveik ainda há outro, mas já lá vamos…

Os lúpulos Denali e El Dorado, americanos de origem, completam esta cerveja com as suas notas de frutos tropicais, ananás e citricos. Ambos de Co-Humulone relativamente baixo para um amargor menos áspero; e bem carregados de myrcene, trazendo a componente lúpulada que uma IPA deve ter.

Vamos fazer uma IPA. Vamos fazer um Grape Ale. Vamos fazer um Kveik.

Para os maltes, receita simples. Malte base, com trigo e aveia para ajudar no corpo e dar de comer ao Kveik, um malte cristal, de centeio, para complementar as notas de fruta com alguma especiaria. Brassagem simples, mas com a atenção redobrada ao pH, é que o Kveik tem tendência a baixar o pH mais do que habitual em outras estirpes de levedura Saccharomyces e a cerveja ainda vai ter a acidez do mosto de uva e adstringência do engaço. Contas feitas ao perfil da água, trocamos as voltas e usamos algo mais perto do que é usual para uma NEIPA, com mais cloretos na água e a apontamos para um pH no mash de 5.45. Ficamos perto, nem foi preciso acertar nada. Escandaloso, o deboche da precisão.

Fervura de 90 minutos para ajudar a evaporar o dimetilsulfureto (DMS) do malte Pilsner. Um pouco de amargor ao início, contrastando com o perfil de água de NE IPA, e guardamos o resto do lúpulo para os momentos finais da fervura. Em especial para depois da fervura, num whirlpool de 15 minutos a 82ºC e para um generoso dry-hop. No final da fervura dose extra de nutrientes para o Kveik, que o rapaz anda sempre esfomeado.

Whirlpool feito, o bom de fazer Kveiks nesta altura do ano é que se poupa na água de arrefecimento. Para esta cerveja fomos pela temperatura do Lida, arrefecemos o mosto para 34ºC e transferimos para o fermentador. Dia de brassagem rápido, chegamos ao final meio desconfiados que isto está tudo a correr muita bem…

Para desafiar este estado de espírito que não combina connosco, decidimos inventar. O que mais há para fazer? Com este lote usamos também um Kveik Ring para inocular o mosto, também contrabandeado pelo Fábio. Já com “o outro” Kveik entrincheirado na madeira, o “Voss”, permitindo a reutilização da levedura noutros lotes. Esta cerveja será uma fermentação mista de Kveiks à mistura com o que vier nas uvas. Um autêntico bacanal de leveduras. Não se pense que reutilizar o “gær” (palavra dinamarquesa para levedura) é algo de novo ou um advento pós “descoberta” do Pasteur. Na realidade já é prática desde o século XVI.

Madeira totalmente sem gluten, 100% orgânica

O Kveik vai dar cabo disto num instante, o rapaz que além de esfomeado deve passar calor com a fermentação a 33ºC, dura uns meros 3 dias e despacha o serviço. Damos-lhe mais 2 dias para acabar de comer as migalhas, que é como quem diz limpar os sulfúricos característicos desta levedura.

Pelo meio desta festa, entram as uvas, qual “party-crasher“. Para adicionar as uvas fizemos dois passos. Não querendo arriscar mudanças brutas no perfil da cerveja provenientes das sementes ou cascas das uvas, optamos por esmagar as uvas manualmente para delas extrairmos o sumo. O restante, cascas e graínhas reservamos para mais tarde. Ainda o vamos usar para obter mais cor para a cerveja.

O mosto de uva, cerca de 1 litro, foi adicionado à cerveja no pico da fermentação, durante o “high-krausen”. Como o Kveik é um stressadinho, tudo isto acontece mais cedo que o normal e no nosso caso foi cerca de 24 horas depois da inoculação. Não dá para olhar para o lado dez minutos com este moço.

Após uma semana de fermentação é tempo de fazer o dry hop e adicionar as cascas para a cor. Mais Denali e El Dorado em pellets para mais aroma. 3 dias de contacto para os lúpulos e cascas é suficiente.

Depois disto, cold crash e transfega em circuito fechado para um barril ao qual já tínhamos adicionado óleo de Citra. As IPAs são ingratas em regime caseiro, mas tudo o que puderem fazer para minimizar o ingresso de oxigénio, façam-no a dobrar. Eles andem aí e todo o cuidado é pouco, quando menos se espera esses oxigénios atacam.

Etapa concluída, numa jornada sem fim. Agora vamos descansar que em breve é tempo de saborear. E vão por nós, esta não deve durar muito tempo no Keg.


Grape IPA com Kveik


Lote: 20L
Total cereal: 5.91 Kg.
Denside inicial: 1.062
IBU estimado: 45
Eficiência: 65%
Tempo Fervura: 90 minutos

Cereal

70% – 4.14 Kg. malte Pilsner
20% – 1.18 Kg. malte Trigo
5% – 0.30 kg. malte Crystal Rye
5% – 0.30 kg. Flocos Aveia

Lúpulo

6 gr. Warrior (pellet, 15.60% AA) @ 60 min.
20 gr. Denali (pellet, 12.80% AA) @ 5 min.
20 gr. El Dorado (pellet, 15% AA) @ 5 min.
80 gr. Denali (pellet, 12.80% AA) @ Whirlpool 15 min.
30 gr. El Dorado (pellet, 15% AA) @ Whirlpool 15 min.

Dry Hop
100 gr. Denali (pellet, 12.80% AA) 3 dias
50 gr. El Dorado (pellet, 15% AA) 3 dias

Hop Oil
1 ml. Citra (oil) @ embarrilamento

Extras

Nutrientes levedura @ 5 min. – Raio do Kveik sempre faminto…

Levedura

Craft Labs #11 Lida Kveik
Kveik Ring inoculado com Lallemand Voss Kveik

Água

Ca: 99
Mg: 3
Na: 36
Cl: 130
SO4: 79
SO4 to Cl Ratio: 0,6

Brassagem

Sacarificação – 60 min. @ 67ºC
Mashout – 15 min. @ 76ºC

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