Kottbusser NE IPA

Somos pessoas estranhas, já todos sabemos. Há quem diga que um dia vamos todos ser presos e ninguém vai ter pena, mas também há quem diga que vestimos uma capa de heróis, por tornar realidade ideias que pareciam nem caber no papel (é possível que esta segunda parte só nós é que a digamos).
Isto é e será o que nos define: o foco na cerveja, na criatividade, aliando tradição à inovação, com a estupidez. Muita estupidez.

Durante estes meses quentes, especialmente em época de pandemia, a pergunta que mais vai surgindo – “então e essas férias?” – deixa aquele sabor amargo como as IPA de há 10 anos atrás. O ritmos dos artigos têm sido mais baixo mas o do trabalho nunca parou, temos muita tecla para bater e recuperar tempo perdido.

Também culpados dessa falta de tempo são os convívios sociais, sempre com o máximo cuidado, que têm potenciado noites com amigos e provas das cervejas que para aqui andamos a inventar, e outras – há sempre outras. É incrível poder acompanhar o feedback dessas provas, independentemente do quão bem conhecemos as pessoas. A cerveja existe para partilhar e o conhecimento idem. Se vocês desse lado que lêem estas palavras nos permitem, aceitem um conselho para a vida de provador de cerveja: foco nos pontos positivos da prova e não em como poderia “melhorar”.
Já há muita negatividade no mundo, a cerveja não precisa disso.

Largando os copos de prova e agarrando os livros, façamos uma viagem pelo mundo encantado da cerveja alemã. Uma das escolas cervejeiras mais antigas e importantes do mundo. Infelizmente, com o avançar da tecnologia, sedimentação da indústria e canais preferenciais de distribuição, muitos estilos foram levados à extinção.
Até aqui nada novo, quem não conhece as Berliner Weisse ou as Gose, até de Adambier já devem ter ouvido falar. Mas há mais, muito mais.

Mergulhando de cabeça, como todas as pessoas que estão de férias, trocamos a piscina e a praia por uma espreguiçadeira no quintal, um copo de qualquer coisa sem álcool, bastante fresca, e é hora de perceber melhor o que existe perdido na história cervejeira alemã. Muita coisa, existe muita coisa perdida, muito fruto do Reinheitsgebot. Infelizmente, como já vimos em momentos passados, a história é confusa e pouco clara.

Por essa investigação fora, e vamos deixar mais estilos obscuros guardados para o futuro, a Kottbusser agarrou a nossa atenção. Uma cerveja que fugia ao regime ditatorial cervejeiro, pelo que mais tarde viria a ser conhecido como Reinheitsgebot, já que incorporava adições de trigo, mel e melaço.
Aliás, chamou a atenção, mais não seja porque a definição era algo como: “Igual à Broyhan mas com mais lúpulo”. Mas que c****** é uma Broyhan?
‘Tá-se bem bro(yhan), um gajo tem um livro que deve falar disso.

Vamos à estante dos livros, puxamos do Historic German and Austrian Beers for the Homebrewer, de Andreas Krennmair, um livro com o trabalho de casa bem feito, com quase duas dúzias de receitas suportadas por prosa sobre a evolução, e mudança, da escola alemã. Lambendo páginas, ansiosos por perceber o que era esse misterioso estilo, lá chegamos ao capítulos das “German White beers”. Bem, não surpreendentemente, sendo um estilo do norte, tem trigo na sua composição.
O que mais tarde viria a ser conhecido como a lei da pureza alemã, lei adoptada no século XV, só passou a incluir trigo na produção de cerveja passado um século.
Assim como a primeira lei surgiu, obrigando à utilização de lúpulo, a sua alteração foi sustentada em interesses próprios para a construção de um monopólio. Uma corrupção histórica! A jogatana do capital! Devia ter sido capa d’O Crime!

Bem, voltando à nossa investigação sobre Broyhan: coloração bastante clara, turva, da utilização de malte seco ao ar livre, trigo e aveia com a peculiaridade da adição de mel e açúcar de cana – é provável que quem inventou este estilo estivesse lá só para moer a cabeça ao outro gajo que achou que a lei da pureza até era boa ideia. Burro. Para ajudar à festa, o lúpulo era omitido, culminando numa cerveja algo doce mas com pouco tempo de guarda – olha que surpresa…
Já a Kottbusser era uma versão mais lupulada, que várias fontes defendem que também tinha uma acidez assertiva. Curiosos, mas não saciados, vá de investigar mais um bocado.

Parece fácil, mas acreditem, arranjar um tutorial para arrebentar a porta de um carro com uma bola de ténis é mais fácil do que tentar fazer algum sentido desta coisa das cervejas históricas…
Noves fora, ainda se gerou mais confusão que respostas encontradas. Interpretações ácidas, umas escuras, outras acima do 7% de álcool, umas com melaço, outras sem, algumas com trigo e aveia outras sem nenhum dos dois.
Começamos a achar que o quebra-cabeças fica por resolver neste episódio do CSI (cervejas sem igual, piada super original).

Mas o mosto tem que se fazer, e vai-se fazer, quer fique lá o senhor de Cottbus orgulhoso de nós ou que venha dos mortos só para tirar satisfações. Vamos esperar que a segunda opção não aconteça.
Fomos beber inspiração da Grimm Brothers, talvez a interpretação mais replicada do estilo, com adições de malte de cevada o mais pálido possível, trigo e aveia. aromatizado com lúpulos nobres e temperado com melaço e mel enquanto a temperatura baixa. Fermentado com uma levedura de Kölsch ou de Weissbier.

Até fomos controlados na quantidade de loucura, optámos por um grau alcoólico mais comedido que os senhores da Grimm, na casa dos 5%. Cereais arrumados, mel de parte e um resto de melaço da Black Gose, com a levedura desta mesma cerveja tudo parecia ser demasiado normal.
Espera, falta o lúpulo. Embora Saaz seja um favorito cá da casa havia aqui um Vic Secret que pedia para desfilar, um anjo caído do céu.
Calma, e a água? De certeza que os alemães usavam uma água super trabalhada, aliás, a febre das NE IPA começou na Alemanha. Não é verdade, sabemos, mas vamos lá ver se os alemães desta vez deixaram tudo a perder.

Água cheia de cloretos, cereal e levedura de Kottbusser, mel e melaço – se está na internet é porque é verdade – lúpulo preparado e câmara de fermentação a postos. Cá vamos nós para a NE IPA, provavelmente a coisa mais simples, e idiota, que já saiu das nossas cabeças.


Kottbusser NE IPA


Lote: 20L
Total Cereal 5kg
Densidade Inicial: 1.058
IBU: 5
Tempo de fervura: 90 minutos

Cereal

52.2% – 3 kg. Pilsner
34.8% – 2 kg. Trigo Tufado
13% – 0.75kg. Aveia

Lúpulo

10 gr. Vic Secret (pellet, ~15% AA) @ first wort hops.
10 gr. Vic Secret (pellet, ~15% AA) @ 5 min.
40 gr. Vic Secret (pellet, ~15% AA) @ Whirlpool 82ºC 10 min.

Extras

Nutrientes levedura @ 5 min.
Mel Rosmaninho – 40 gr. @ 82ºC
Melaço – 30 gr. @ 82ºC

Levedura

Fermentis K-97 – 18ºC

Água

Ca: 103
Mg: 10
Na: 16
Cl: 145
SO4: 81
SO4 to CL Ratio: 0.6

Brassagem

Sacarification – 60 min. @ 69ºC
Mash Out – 10 min. @ 76ºC

pH@ 5.27 brassagem
pH@ 5.38 pre-boil
pH@ 5.17 post-boil

Observações

One thought on “Kottbusser NE IPA

Leave a Reply

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.