Berliner à Moda-Antiga

Há alguns anos atrás, raríssima era a vez que se ouvia falar em Berliner Weisses no mundo moderno da cerveja artesanal. A cultura à volta desta cerveja da escola alemã estava ainda pelas ruas de Berlim, onde se bebia o que outrora Napoleão chamou de champagne do Norte.

Originada na região de Berlim e arredores, não existe precisão total sobre a sua história ou quando foi inventada ao certo. Nascida então na Bavária, sabe-se lá quando, esta é mais uma cerveja de trigo da escola alemã, feita ainda nos tempos idos antes de Pasteur onde o desconhecimento sobre sanitização e culturas puras levou esta cerveja a nascer de um forma selvagem, com bactéria lactobacillus e leveduras brettanomyces à mistura. Pode-se dizer que não foi defeito, antes tornou-se em feitío, conferido à cerveja uma acidez que passou a ser a sua característica principal. Tendo sido produzida por centenas de fábricas, a segunda guerra mundial, a mudança de gostos e surgimento em força das lagers que com ela veio, foi reduzindo cada vez mais o apetite por este estilo de cerveja e a sua acidez.

Para ajudar, Napoleão e as suas tropas pouco habituados a uma cerveja ácida, adoptaram uma mania que perdurou até aos tempos modernos nos bares de Berlim, que é pedir uma “Weisse mit Schuss“. Que é como quem diz, uma Berliner Weisse que vem misturada com um xarope adocicado, que é adicionado quando a cerveja é servida e possibilita ao cliente escolher qual o sabor que quer naquele momento. Em Berlim a escolha frequente é parecida a um dilema Lisboeta, entre o Vermelho da Framboesa e o Verde da Aspérula. Espera, mas que raio é uma Aspérula? É uma planta, da qual se faz um xarope, verde, meio doce, alguns dizem que sabe a baunilha outros que sabe a palha. Cenas alemãs sabem… Claro que esta moda viajou além do atlântico para os USA. Ou pelo menos chegou até uma pequena brewery na costa Oeste, visitada em 2015, com os xaropes em dispensadores de bebidas, prontos a jogar com a acidez da cerveja.

É também nos estados unidos, embora na costa Este, que surge a próxima vida das Berliner Weisses. Inspirada neste cruzamento (ou complemento) da fruta com a acidez da cerveja, começa uma nova trend que ressuscita o interesse neste estilo, a Florida Weisse. Sem nunca ter sido um estilo oficial, a Florida Weisse destaca-se pelo uso de fruta na própria cerveja, durante a fermentação em vez de ser adicionada em xarope. Arranja de um lado, desmancha do outro, pois a outra grande mudança que veio com este estilo não foi nada consensual e diz respeito ao processo de acidificação, que passou a ser feito “on-steroids“.

Em vez de se usarem as tradicionais estirpes de lactobacillus que funcionam a temperaturas nos vintes, a descoberta de novas variantes capazes de tolerar temperaturas nos trinta e muitos, alterou por completo o processo de produção destas cervejas, dando origem até uma designação: “kettle sour“. Amado por uns, odiado por outros (não me digam que não tem uma t-shirt destas), o processo de kettle sour promove a acidificação ainda na panela/tanque em vez de acontecer na fermentação, como antigamente. Para isso, o mosto resultante da brassagem não é imediatamente fervido, passa antes por um periodo de entre 24-48 horas onde é inoculado com o lactobacillus a temperaturas de a rondar os 35º-38º C conforme a estirpe usada. Durante este período, o calorzinho acelera o metabolismo do lactobacillus e a fermentação láctica produz a acidez. Depois o mosto é fervido, matando o lactobacillus que não fará mais nada pela cerveja. Resultado final mais rápido sim, mas também ele menos complexo. Cada coisa tem o seu lugar, mas que não se faça confusão, isto é #notlambic.

Seguindo nesta trend, o país irmão, ele que está cheio de frutas, muitas delas exóticas e que só existem ali, seguiu uma abordagem parecida e num conceito baseado na Berliner Weisse alemã, mas ligeiramente alterado, criou um novo estilo, a Catharina Sour. Acidez láctica limpa, sem caracter de Brett, com um pouco mais de álcool e a obrigatoriedade de inclusão de fruta, de preferência tropical e típica do Brasil e ainda com espaço para umas especiarias. E com isto, desde Julho de 2018, o Brasil passou a ter o seu primeiro estilo de cerveja com reconhecimento internacional.

Depois desta viagem histórica, eis-nos chegados a 2021, onde vale (quase) tudo. A cerveja alemã ácida, leve e efervescente está agora convertida em batido de fruta espesso, acompanhado de lactose ou outros açúcares, e mais qualquer coisa que alguém se lembrar…
E vocês, quando foi a última vez que beberam uma Berliner Weisse à antiga? Pois, para nós também já ia algum tempo. Estranhamente – representando isto o estado actual do craft beer – é difícil encontrar uma disponível, assim à mão.

Nada como fazermos uma então…

Do plano passamos `a execução, já com ideias de deixar “marinar” a coisa para poder desfrutar dela no Verão. Aqui não há espaço para kettle sour. À maneira antiga, significa que levedura e bactéria vão para o fermentador ao mesmo tempo e à mesma temperatura. E como este lactobacillus funciona devagarinho quando está à temperatura do saccharomyces alemão que lhe faz companhia, isto resulta num processo de acidificação que dura meses e não um par de dias.

Mas antes disso, ainda há que brassar, por isso vamos aos maltes. A simplicidade fala mais alto aqui, Trigo e malte Pilsner numa proporção 70-30. Uma brassagem simples para fugir das decocções e “siga pa bingo” para uma fervura de 90 minutos. Uma pitada de Hallertauer a um terço da fervura e deixa rolar. Este é o tipo de cerveja ideal para se fazer num dia de churrascada (ou de moelas e bucho no nosso caso) e aproveitar para ir bebendo outras cervejas enquanto se faz esta, motivo pelo qual quase não há fotos para este artigo… e também por nos termos distraído com o pH da brassagem demasiado alto.

No final da ferveura, correções de pH feitas e arrefecer para os 23º C, passar para o fermentador e inocular com o blend de levedura e bactéria da White Labs. O lactobacillus sai desta estória vivo para continuar, ainda que lentamente, a acidificar este cerveja. Uns seis meses praí.
Feito. Brewday simples e curto. Yield fantástica com poucas perdas. Não há muitas cervejas a ter um rácio esforço/custo/qualidade tão bom como esta.

Consta que Napoleão era gajo para marchar umas quantas.


Berliner à moda-antiga


Lote: 20L
Total Cereal: 3,11 Kg.
Densidade Inicial: 1.032
IBU: 3,5
Tempo de fervura: 90 minutos

Cereal

30% – 0,93 kg. Malte Pilsner
60% – 1,87 kg. Trigo
10% – 0,31 kg. Trigo Tufado

Lúpulo

5 gr. Hallertauer (pellet, ~4,8% AA) @ 60 min.

Extras

Pra quê? Esta cerveja não vai levar lactose nunca. Parem com isso.

Levedura

White Labs Berliner Weisse Blend WLP630

Água

Ca: 60
Mg: 3
Na: 36
Cl: 60
SO4: 79
SO4 to Cl Ratio: 1.3

Brassagem

Sacarificação – 60 min. @ 64ºC
Mash Out – 10 min @ 76ºC

pH@40 min. 5… não vamos falar sobre isso…

Observações

20/12/2020 – Bottling. Após 3 meses no fermentador, já alguma acidez, mas pouco. De resto não há mais nada a observar e ainda bem. O tempo tratará do resto.

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