Brett IPA

Atenção! Notificação de ajuntamento dentro desta panela, mais de 5 microrganismos a serem inoculados num balde, elevado risco de contágio!

É verdade, leram bem, mas já explicamos, tudo isto fará sentido no final do artigo. Prometemos.

Andamos como uma adolescente no secundário, com uma paixoneta pelo Scott Janish, sempre atrás dele a ouvir o que ele tem para dizer, até lemos o seu diário. Que é como quem diz o seu primeiro livro, “The New IPA”. Olhando à literatura cervejeira publicada nos últimos anos, este será sem dúvida um dos mais importantes. A investigação sobre lúpulo continua a decorrer, porém nem sempre à velocidade do que o que o mercado precisa. Técnicas estipuladas como absolutas foram entretanto desafiadas, o mundo do lúpulo é mais complexo do que nos apercebemos quando bebemos uma IPA no nosso bar favorito.

Felizmente para nós existem pessoas que não ficam indiferentes a estes desenvolvimentos e até gostam de partilhar as suas pesquisas, e as dos outros. Assim nasce o livro de Scott Janish, que junta análises a várias investigações e dissertações onde o lúpulo é o principal foco num conjunto de resultados práticos ao alcance de qualquer cervejeiro.

Como bons alunos fazemos o trabalho de casa e vemos se aprendemos bem a lição. Para isso hoje temos connosco uma Multi-yeast Brett Spelt NE IPA Triple Dry-hopped. Vamos tentar resumir aquilo que aprendemos com palavras e, no final, com uma cerveja em que esperamos captar o melhor que o lúpulo tem para nos oferecer. Vamos a isto?

A génese desta cerveja vem já de há muito tempo, de forma simples inicialmente, uma Brett IPA. O Brett apresenta capacidades de preservação de aromas, de lúpulo, superiores às demais leveduras, embora ninguém saiba porquê. Mais tarde veio a espelta para dar aquele toque rústico à coisa.

Depois os senhores da Yeast Bay meteram-se em caminhadas pelo meio dos montes californianos e, entre flores por lá apanhadas por lá, veio uma levedura que ocorre naturalmente na substância açucarada produzida pelas plantas, o néctar. Com atenuação fraca, não é capaz de fermentar totalmente, mas favorece a retenção de aroma, que as flores usam para atrair os polinizadores. Chamaram-lhe um néctar, de nome estranho e impronunciável à primeira. Podiam era ter-lhe chamado um figo. Não interessa, pois o geek cervejeiro em nós ficou em pulgas para experimentar isto.

E aqui começa a primeira parte do estranho love-affair com Glicosídeos, que existe nesta cerveja. Um glicosídeo é um composto quimicamente ligado a uma molécula de açúcar. Muitas plantas, incluindo o lúpulo, armazenam substâncias químicas sob a forma de glicosídeos inativos. No lúpulo, os compostos aromáticos, como os terpenos, são ligados aos açúcares como glicosídeos na matéria verde do lúpulo, que as leveduras como este NIY (nectar inhabitant yeast) conseguem usar para libertar compostos de sabor e aroma.

Mas, adiante… mais tarde o Brett passou de simples estirpe para ser um blend de 5 leveduras, porque experimentar é algo que gostamos de fazer e porque não. Há que jogar com o baralho todo.

E depois havia uma saqueta de levedura de vinho branco, arrumada no frigorifico, há muito tempo, que esperava pela oportunidade certa. A Lalvin 71B é conhecida, no mundo do vinho, por ter uma grande capacidade de produção das enzimas libertadoras dos glicosídeos. Somos uns revoltados contra prisioneiros e decidimos que os tínhamos de libertar. Obrigado, novamente, ao Scott pela dica.

Mas isto é cerveja e é preciso malte para extrairmos açúcar, neste caso 4 maltes. Uma base de pale malte, Espelta e Centeio para um toque rústico ao estilo farmhouse IPA, se é que isso é uma coisa, e Aveia para cremosidade. Para o programa de festas da brassagem, levamos isto ao aconchego de 70º C. Parece fora de contexto, mas lembrem-se isto é uma Brett IPA e o brett é animal que precisa de sustento, ou seja de cadeias longas de açucares resultantes da brassagem a temperaturas altas. Já no pH apontamos para baixo para um intervalo entre os 5.2-5.3 mais adequado para este tipo de cerveja, mas tivemos excesso de pontaria e ficamos demasiado abaixo, sendo necessário corrigir com pózinhos de bicarbonato de sódio.

Brassagem e lavagem do cereal despachados, seguimos para a fervura, qual after-party de perfumistas brincando com lúpulo e … coentros (não contar a ninguém). Estas sementes de coentros, indianas do Martim Moniz, contêm grande percentagem de linalol e gerianol que durante a fermentação são transformados em beta-citranelol. All-In, para aquele aroma final na cerveja.

E para puxar por esse aroma, não vale a pena andar a queimar lúpulo, pelo a grande maioria dele vai entrar na fase final, depois de desligada a fervura, num Whirlpool de 15mins com a temperatura já a 82º C.

Para a temperatura de fermentação é preciso pensar duas vezes, é que é preciso fazer a vontade aos 7 organismos que vão fermentar isto e por isso é preciso encontrar uma faixa onde toda a gente fique contente. Qual bacanal de verão, optamos pela quentinha temperatura de 25º C para todos estarem confortáveis.

Como achamos que isto estava tudo muito dominado por leveduras e afinal de contas isto é uma IPA, tempo de apostar em bio-transformação à bruta, com o primeiro dry-hop a ser feito ao mesmo tempo que transfegamos a cerveja para o fermentador e adicionamos as leveduras.

Ao final de 5 dias de fermentação maior parte do trabalho está feito, mas demos mais tempo ao Brett para fazer o seu trabalho, deixando a cerveja no fermentador duas semanas antes de continuarmos aquela técnica “inventada pela Sagres”, o dry-hopping. Segundo dry-hop durante 48 horas, mais um dia para crashar para 2º C e dar seguimento à próxima experimentação na área de lúpulo a frio, com a nova tendência a ser fazê-lo a temperaturas mesmo baixas, com o nosso 3º dry-hop a acontecer nestes 2º C por 24 horas.

E porque é altura de pôr os trunfos de aroma todos na mesa, para mais um kick de aroma, voltamos ao registo de perfumista e adicionamos também um pouco de óleo essencial de lúpulo de Citra, ao embalar.

Cheira bem por aqui. Até à próxima.


Brett IPA


Lote: 20L
Total cereal: 6,70 Kg.
Denside inicial: 1.063
IBU estimado: 45
Eficiência: 65%
Tempo Fervura: 60 minutos

Cereal

77,6% – 5.20 Kg. malte Pale
9% – 0.60 Kg. Espelta
9% – 0.60 kg. Centeio
4,5% – 0.30 kg. Flocos Aveia

Brassagem

Sacarificação – 60 min. @ 70ºC
Mashout – 15 min. @ 76ºC

Lúpulo

5 gr. Columbus (pellet, 14% AA) @ mash.
5 gr. Columbus (pellet, 14% AA) @ 60 min.
20 gr. Simcoe (pellet, 13% AA) @ 20 min.
30 gr. Citra (pellet, 12% AA) @ Whirlpool 15 min.
50 gr. Mosaic (pellet, 14% AA) @ Whirlpool 15 min.

Dry-Hop
20 gr. Galaxy (pellet, 14% AA) @ 1º DH – Durante inoculação da levedura
50 gr. Citra Cryo + Mosaic Cryo @ 2º DH – Após primário, a 14º C. Esperar 48 H e crashar para 2º C
50gr Galaxy – 3º DH – Quando chegar a 2º C. Esperar 24 H e embalar

Oléo essencial
1 ml. Citra no embarrilamento

Extras

Nutrientes levedura @ 5 min.

Levedura

The Yeast Bay Amalgamation II – WLP4641
The Yeast Bay Metschnikowia reukaufii
Lallemand Brewing Lalvin 71B

Água

Ca: 102
Mg: 3
Na: 36
Cl: 130
SO4: 85
SO4 to Cl Ratio: 0,7

3 thoughts on “Brett IPA

  1. podemos considerar que as leveduras participaram no bacanal se só ficaram lá a ver? Quais as leveduras que deram de facto o litro?

    1. é válido mesmo que estejas só a disfrutar do aroma, tás a participar. A de vinho talvez seja a mais imediata, q o Brett é preguiçoso e por esta altura ainda anda a dar cabo dos açúcares.

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