Patersbier: Mel e Amores-perfeitos

O lúpulo, utilizado na produção de cerveja, é uma flor. Os amores-perfeitos também são flores. Esta história escreve-se praticamente sozinha, não?

Continuando na saga de estilos pouco comuns, embarcamos em mais uma viagem pela história belga. Todos nós conhecemos as Dubbel, Tripel ou Quadrupel, as famosas cervejas produzidas pelos monges nos mosteiros.

Sem alongar muito sobre o dia a dia de um monge, a cerveja terá nele um papel importante, mas presume-se que limpar um par de Quadrupels ao almoço possa ser um pouco duro. Talvez por isso, estas cervejas são guardadas para celebrações e momentos especiais. Nasce assim a Patersbier (sim, cerveja do pai), também conhecida como Enkel (Single, em holandês). Sobre este tema, podem consultar o livro de Stan Hieronymus, Brew Like a Monk.

Para fugir à tentação, os monges produzem cervejas mais leves, que raramente saem dos mosteiros. Estas cervejas são parte do dia a dia dos monges, com processos de elaboração mais simples quando comparadas com as suas irmãs.

Uma base de malte simples, muitas vezes uma divisão 50/50 entre Pilsner e Pale, o estilo destaca-se com um amargor presente, e o carácter da levedura, que destaca estas cervejas. No entanto, numa Bélgica onde não pontifica grande obsessão pela adesão estrita a estilos de cerveja, as Patersbiers mudam bastante entre si.

Dos 14 mosteiros certificados pela International Trappist Association, grande parte conta com uma cerveja que reúne as características de uma Patersbier, que com o crescimento de interesse, têm vindo a ser engarrafadas em edições especiais. Uma delas, a Petit Orval, é razão mais que suficiente para uma visita ao restaurante de apoio ao mosteiro.

Além de produtores de cervejas, os monges têm uma ligação muito grande à natureza, tendo renunciado à carne da sua alimentação, e explorando outras indústrias, como queijo e pão, produtos também encontrados em alguns mosteiros.

Levando uma vida em isolamento, em que as receitas das vendas contribuem exclusivamente para a manutenção do mosteiro, os monges são uma comunidade bastante auto-suficiente. Na Abbaye Notre-Dame d’Orval, que dispensa apresentações, podemos visitar uma parte do mosteiro, onde encontramos vários jardins com uma flora variada.

Sobre a inspiração da vida de um monge, tentámos respeitar as suas origens e criar uma cerveja que os orgulhasse, leve, amarga, ligeiramente frutada e que tivesse alma e sensação de lugar.

Base de malte pale, complementado por um pouco de trigo cru, inspirado nos mosteiros que têm produção de pão. Em homenagem à Orval, um eterno clássico, o lúpulo escolhido foi o Styrian Golding.

A escola belga é conhecida por brassagens com múltiplos patamares, começando nos 63ºC, aumentando gradualmente até aos 72ºC durante, 60 minutos. Assim garantimos um mosto bastante fermentável, melhorando o grau de atenuação.

Respeitando a tradição belga, alguma fonte de açúcar teria de ser adicionada. Não sendo grandes entusiastas de açúcar candi, o mel facilmente emerge como alternativa a explorar. Será adicionado no final da fermentação alcoólica, para preservar ao máximo as suas características.

Já está quase tudo explicado, menos a questão mais importante: porquê amores-perfeitos? Ninguém sabe, mas pareceu boa ideia tentar acrescentar alguma subtileza à simplicidade. Logo veremos se terá sido.

Amores-perfeitos, como não?

A escolha normal de levedura seria uma alternativa líquida como a Trappist High Gravity (ou, quem sabe, uma WLP515?). Porém, conjugando necessidade e oportunidade, aproveitámos para testar novas leveduras e perceber o que nos podem trazer, pelo que seguimos com uma estirpe da Mangrove Jack’s, Belgian Abbaye M47.

Levedura inoculada a 18ºC, controlada durante 48h, para suprir produção de álcoois superiores e evitar o aroma a pastilha elástica, algo comum com estas leveduras. Depois deste período, já com o mel adicionado, a levedura pôde acabar o seu trabalho sem impedimentos.

No embalamento, em barril, a cerveja vai condicionar lentamente com leveduras Brettanomyces bruxellensis, cultura propagada a partir de uma garrafa de uma referência norte-americana na produção de estilos belgas, a Anchorage Brewing Co.. Podem ler sobre esta cervejeira aqui.


Patersbier com Mel e Amores Perfeitos


Lote: 20L
Total cereal: 5 kg.
Densidade inicial: 1.050
IBU estimado: 25
Eficiência: 70 %
Tempo Fervura: 90 minutos

Cereal

90% – 4.5 kgs. malte pale
10% – 0.5 kgs. trigo cru

Hops

60 gr. Styrian Goldings (pellet, 2.70% AA) @ 60 min.
60 gr. Styrian Goldings (pellet, 2.70% AA) @ 5 min.

Extras

Nutriente levedura @ 5 min.
0.30 kg. mel flor de laranjeira

Levedura

Mangrove Jack’s M47 Belgian Abbey Yeast

Água

Ca: 146
Mg: 13
Na: 28
Cl: 73
SO4: 111
Cl to SO4 Ratio: 0.66

Brassagem

Inicio sacarificação a 63ºC com rampa até 72ºC durante 60 minutos.
Mash-out a 78ºC durante 15min.

pH@15 5.41

Observações

Para a adição de mel, foi feita uma diluição em 500ml, aquecida até 81ºC, mantida durante 15 min. para promover estabilidade do meio. Depois de arrefecida a solução foi adicionada ao mosto em fermentação, acrescentado cerca de 5 pontos de densidade.

Passagem para barril – 22/03
Densidade Final: 1.015
pH Final: não medido
Atenuação Aparente: 72%
ABV: 5.3%

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